segunda-feira, maio 04, 2009

Homenagem a BOAL

Ouvi na TV a notícia de morte de BOAL,diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundador do Teatro do Oprimido.




Então hoje, ao receber este texto de Rosy Greca, com a qual tive um pequeno workshop sobre voz no instituto história viva; não pude me furtar de reproduzir aqui.

Principalmente pela estrofe final: "Atores somos todos nós, e cidadão
não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a
transforma!"


Salve Augusto Boal, morto em 2 de maio de 2009.

Rosy Greca


"Todas as sociedades humanas são
espetaculares no seu cotidiano, e produzem espetáculos em momentos
especiais. São espetaculares como forma de
organização social, e produzem espetáculos como este
que vocês vieram ver.

Mesmo quando inconscientes, as
relações humanas são estruturadas em forma teatral: o
uso do espaço, a linguagem do corpo, a escolha das palavras e a
modulação das vozes, o confronto de ideias e paixões,
tudo que fazemos no palco fazemos sempre em nossas vidas: nós somos
teatro!

Não só casamentos e funerais são
espetáculos, mas também os rituais cotidianos que, por sua
familiaridade, não nos chegam à consciência.
Não só pompas, mas também o café da
manhã e os bons-dias, tímidos namoros e grandes conflitos
passionais, uma sessão do Senado ou uma reunião
diplomática --tudo é teatro.

Uma das principais
funções da nossa arte é tornar conscientes esses
espetáculos da vida diária onde os atores são os
próprios espectadores, o palco é a plateia e a plateia,
palco. Somos todos artistas: fazendo teatro, aprendemos a ver aquilo que
nos salta aos olhos, mas que somos incapazes de ver tão habituados
estamos apenas a olhar. O que nos é familiar torna-se
invisível: fazer teatro, ao contrário, ilumina o palco da
nossa vida cotidiana.

Em setembro do ano passado fomos
surpreendidos por uma revelação teatral: nós, que
pensávamos viver em um mundo seguro apesar das guerras,
genocídios, hecatombes e torturas que aconteciam, sim, mas longe de
nós em países distantes e selvagens, nós
vivíamos seguros com nosso dinheiro guardado em um banco
respeitável ou nas mãos de um honesto corretor da Bolsa
--nós fomos informados de que esse dinheiro não existia, era
virtual, feia ficção de alguns economistas que não
eram ficção, nem eram seguros, nem respeitáveis. Tudo
não passava de mau teatro com triste enredo, onde poucos ganhavam
muito e muitos perdiam tudo. Políticos dos países ricos
fecharam-se em reuniões secretas e de lá saíram com
soluções mágicas. Nós, vítimas de suas
decisões, continuamos espectadores sentados na última fila
das galerias.

Vinte anos atrás, eu dirigi Fedra de
Racine, no Rio de Janeiro. O cenário era pobre; no chão,
peles de vaca; em volta, bambus. Antes de começar o
espetáculo, eu dizia aos meus atores: - 'Agora acabou a
ficção que fazemos no dia-a-dia. Quando cruzarem esses
bambus, lá no palco, nenhum de vocês tem o direito de mentir.
Teatro é a Verdade Escondida'.

Vendo o mundo além
das aparências, vemos opressores e oprimidos em todas as sociedades,
etnias, gêneros, classes e castas, vemos o mundo injusto e cruel.
Temos a obrigação de inventar outro mundo porque sabemos que
outro mundo é possível. Mas cabe a nós
construí-lo com nossas mãos entrando em cena, no palco e na
vida.

Assistam ao espetáculo que vai começar;
depois, em suas casas com seus amigos, façam suas peças
vocês mesmos e vejam o que jamais puderam ver: aquilo que salta aos
olhos. Teatro não pode ser apenas um evento --é forma de
vida!

Atores somos todos nós, e cidadão
não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a
transforma!"

Nenhum comentário: